quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Fé - A mais espetacular experiência humana

Por Luiz Vieira
(Extraido do Jornal Brasil Seikyo, Edição 2008 / Caderno da Comunidade)

Fé sem a compaixão é simples teoria, abstração, algo desprezível, sem valor. É crença estática, parada, sem ação. Por outro lado, a compaixão sem a fé não é compaixão. É domínio de uma pessoa sobre a outra. É exploração, autoritarismo, “fascismo com sorriso”.

Fé é um mergulho do ser humano na realidade. É a mais significativa e radical experiência do ser humano.

É o encontro do homem ou da mulher, de qualquer idade, cor, nação, credo ou religião, com a totalidade do Universo, no mais profundo do seu próprio ser. “O Buda está no coração”, afirma Nitiren. Ter fé é “experienciar” o sentido último da vida na própria história, pessoal e coletiva. Segundo o presidente da SGI, Daisaku Ikeda, “fé significa conhecer a si próprio. Quem sou eu? O que é a vida?”. Tal experiência, em que se reconhece o fenômeno da fé, somente é possível por meio da compaixão.

Fé e compaixão se articulam, se entrelaçam num movimento permanente em que, pela compaixão descobre-se a fé e esta fecunda a própria compaixão. Eis porque viver a cada momento do dia ou da noite concentrado em propagar a Lei é, para nós budistas do Sutra de Lótus, a condição sine qua non, para nos declararmos discípulos genuínos de Nitiren. A fé sem a compaixão é simples teoria, abstração, algo desprezível, sem valor. É crença estática, parada, sem ação. Por outro lado, a compaixão sem a fé não é compaixão. É domínio de uma pessoa sobre a outra. É exploração, autoritarismo, “fascismo com sorriso”.

Não existe tribo, sociedade, cultura ou civilização onde não se tenha constatado o fenômeno da fé. Todo ser humano nasce carregando em si um desejo de alcançar o infinito. De abrir-se para o outro, para o mundo, para a totalidade, para o ilimitado. Assim, a fé é um fenômeno distinto da religião e anterior a ela. A fé nasce com a humanidade, em cada ser humano, como resposta ao desejo infinito de preencher o vazio de si mesmo, abrindo-se à realidade cósmica total que não está fora, mas no seu próprio interior.

O ser humano sempre esbarra nas coisas finitas, nas limitações que lhe são impostas pelo próprio ego construído sobre a base movediça do que Daishonin chamou de três venenos: a avareza, a ira e a estupidez. Nesse esforço incansável e, aparentemente inútil, de atender aos apelos do consumo, do prazer e de acumular bens, o ser humano é atirado às frustrações, às angústias, à ansiedade, aos erros nas escolhas, aos fracassos, ao sofrimento total.

A fé, então, surge como um horizonte de compreensão, de encontro, de entrada, de mergulho na realidade, sua fonte originária e, ao mesmo tempo, de possibilidade de transformação.

Superstição

Superstição é crendice. É distorção da fé. É ignorância religiosa. Em qualquer parte do mundo, existem várias superstições. Não há cultura ou civilização onde não existam superstições. Mas pessoas não precisam se sustentar nelas.

As superstições são práticas culturais em que estão envolvidos muitos comportamentos humanos complexos. Em qualquer parte do mundo, existem superstições. Não há cultura ou civilização onde não existam crendices. As religiões contribuem, de forma determinante, para o surgimento das superstições e das crendices. Toda religião, sem exceção, é sincrética. E é exatamente, nesse processo permanente de sincretização da religião, que se amplia o universo das superstições.

Qualquer tipo de superstição ou crendice atrapalha, significativamente, a vivência da genuína fé. As superstições contribuem para a estagnação espiritual das pessoas. Fé exige conversão diária. Mudança de comportamento e de hábitos. É inútil a fé sem transformação, sem desconstrução do ego, por meio da despoluição da mente contaminada pelo ódio, pela raiva, inveja, pensamentos negativos etc.

As pessoas supersticiosas não lutam para transformarem-se. Permanecem na ilusão, na ignorância, praticando a religião como um processo mágico, milagroso, ao sabor das circunstâncias.

Acham que, num passe de mágica, conseguem o que precisam, mudam as circunstâncias, sem precisar mudar a si mesmas. Enganando a si e aos outros. Viver com base em superstições é mais fácil. Isso porque forças do além resolvem tudo. Mas, não transformam, não contribuem para a revolução humana necessária e imprescindível para a construção de um viver digno, como ser humano.

Acham que, num passe de mágica, conseguem o que precisam, mudam as circunstâncias, sem precisar mudar a si mesmas. Enganando a si e aos outros. Viver com base em superstições é mais fácil. Isso porque forças do além resolvem tudo. Mas, não transformam, não contribuem para a revolução humana necessária e imprescindível para a construção de um viver digno, como ser humano.

O budismo, como todas as outras, é uma religião sincrética. Alguns membros vão acrescentando elementos de outras religiões, sem qualquer interação entre eles, baseados apenas na própria experiência de crentes, possuidores de uma religiosidade difusa e indefinida, sem identidade. (...)

Luiz Vieira Marques, 66, é teólogo, sociólogo, advogado e procurador geral da Câmara Municipal de Timóteo, Minas Gerais. Integrante da BSGI há 20 anos, Vieira atua como vice-responsável da RM Vale do Aço e vice-coordenador do Núcleo de Estudos da Religião da BSGI. Mineiro, cresceu ouvindo histórias e vivendo no ambiente religioso do interior de Minas Gerais. Depois de muitas andanças, tornou-se associado da BSGI e desde então reflete e mergulha nas profundas teorias do budismo. O teólogo acredita que “fé é atitude, comportamento, postura na relação de convivência diária com as pessoas”. A pedido do Brasil Seikyo, escreveu um artigo exclusivo sobre o tema fé e superstição.

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